O instituto da revisão no processo administrativo de trânsito
I. Generalidades.
Assunto recorrente no que tange a aplicação da Resolução nº 08, de 16 de novembro de 2004, do Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Santa Catarina – que regula o processo administrativo para julgamento de autuações e penalidades impostas por infrações de trânsito no âmbito do Estado de Santa Catarina e dá outras providências -, é a operacionalidade da revisão. A presente abordagem tem por escopo enfocar determinados aspectos controvertidos inerentes ao instituto em apreço, em especial sua definição, objeto e a competência para o respectivo processamento.
II. Definição.
Embora na seara administrativa não exista a coisa julgada, no sentido processual da sentença definitiva oponível erga omnes (coisa julgada formal e material), reconhece-se a impossibilidade de impugnar e modificar, pela Administração, o ato administrativo quando exauridos os recursos próprios e as oportunidades internas de auto-correção da atividade administrativa, pois “o julgamento do recurso administrativo torna vinculante para a administração seu pronunciamento decisório e atribui definitividade ao ato apreciado em última instância” . Contudo, situações excepcionais podem induzir o julgador em erro, comprometendo a eficácia e a própria justiça do ato decisório, razão pela qual o ordenamento jurídico vigente cuidou de disponibilizar à Administração um mecanismo destinado a corrigir eventuais distorções por ventura ocorridas em processos administrativos de que resultem sanções, denominado revisão, a que alude a Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 65, e, no caso específico objeto desta análise, o Capítulo VI da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004.
Com efeito, não obstante, em tese, a decisão contra a qual não caiba mais recurso deva ser respeitada como depositária da verdade (res judicata pro veritate habetur), no processo administrativo em especial, a coisa julgada deve ceder ante os imperativos da Justiça substancial e, em virtude dos princípios que lhe são próprios, à verdade formal há que se impor a verdade real. Destarte, pode-se afirmar que o instituto da revisão é um remédio que o regramento vigente confere ao apenado, contra a “coisa julgada administrativa”, com o fim de reparar injustiças ou erros de julgamento, livrando-o de decisão injusta.
III. Objeto
Ao apreciar o objeto da revisão, deve atentar para o fato de que, em respeito à segurança jurídica e a estabilidade das relações entre Administração e administrado, a revisão é uma exceção e, como tal, somente se torna cabível nas hipóteses expressamente previstas. Sob este aspecto, convém invocar a lição de MAXIMILIANO:
O artigo do Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico – exceptiones sunt strictssimoe interpretationis (interpretam-se as exceções estritissimamente) – no art. 6º da antiga introdução, assim concebido: “a lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos só abrange os casos que especifica”.
Partindo desse pressuposto, no caso em exame a possibilidade de se lançar mão da revisão está adstrita às hipóteses previstas no art. 24 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004, ou seja, quando se verificar: a) o reconhecimento, por parte da autoridade de trânsito responsável pela imposição da penalidade, de erro ou circunstâncias capazes de justificar a inocência do acusado ou nulidade da pena; b) falsidade de documentos em que se tenha fundamentado a decisão que se pretende rever; c) superveniência de documentos, com eficácia sobre a prova produzida; e, d) desconsideração pelo julgador de documentos constantes dos autos, com eficácia sobre a prova produzida.
IV. Competência para promover a revisão.
O nó górdio da questão trazida a lume é a definição da autoridade competente para apreciar o pedido de revisão, ou, de ofício, levá-la a efeito quando presentes os pressupostos legais para tanto. Duas vertentes distintas dão nuanças diversas ao tema. A primeira defende que a revisão somente poderia ser praticada pelo Conselho Estadual de Trânsito, por ser o órgão cuja decisão encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, consoante estatui o caput do art. 290, e o regulamento em comento prevê a possibilidade de revisão apenas da “decisão definitiva” proferida em “processo transitado em julgado”.
O segundo matiz entende que o poder/dever de rever o ato nas hipóteses previstas incumbe à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso, conforme estabelece o art. 27 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004. Este signatário filia-se a esta última corrente, pelos seguintes motivos: a revisão, tal como definida no estatuto em voga, embora tenha caráter de recurso, com ele não se equipara na medida em que pressupõe processo já encerrado, com a imposição da sanção, bem como o surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes que possam indicar a inadequação daquela sanção. Não se confunde, portanto, com a revisão hierárquica, própria dos recursos, que se consubstancia na apreciação dos atos de inferiores hierárquicos em todos os seus aspectos (competência, objeto, oportunidade, conveniência, justiça, finalidade e forma), para mantê-los ou invalidá-los, de ofício ou mediante provocação do interessado, já que esta, a revisão hierárquica, somente é possível enquanto o ato não se tornou definitivo para a Administração , ao passo que a revisão tratada na Resolução em questão versa sobre decisão definitiva, transitada em julgado.
Outro aspecto que merece relevância é a conotação de reconsideração que o texto normativo em apreço conferiu ao instituto. Diz o artigo 27 da citada resolução que “o pedido de revisão será sempre dirigido à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso”. Ou seja, a revisão, nos moldes assentados na normativa de regência, assemelha-se ao pedido de reconsideração, eis que dirigido à autoridade que praticou o ato ou que o sustentou em fase recursal.
V. Considerações finais.
Desta forma, o instituto em estudo provoca o controle da legalidade do ato pela própria autoridade que o praticou ou que por último o tenha confirmado em grau de recurso, possibilitando que reveja a própria decisão outrora proferida sob o prisma das circunstâncias enumeradas nos incisos do art. 24 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004. Tal revisão administrativa, no âmbito da própria autoridade ou colegiado recursal, configura reafirmação da titularidade da prerrogativa de invalidar seus próprios atos, consagrada na Súmula 473 do STF. É a própria autoridade cuja decisão tornou-se definitiva – seja por não ter havido recurso às instâncias superiores, seja por se tratar de decisão que não caiba mais recurso-, que deve decidir sobre a possibilidade de rever o ato acoimado. É de se observar, neste aspecto, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, art. 5º, LIII), valendo dizer que, no caso, o Código de trânsito Brasileiro, confere a JARI e ao CETRAN, respectivamente, nos seus artigos 17 e 14, quanto à análise das decisões proferidas pela autoridade ad quo, competência para reformá-la em grau de recurso, sem falar em revisão, o que somente se torna possível com base na auto-tutela inerente à Administração, razão pela qual o instituto deve ser encarado como reconsideração e não revisão hierárquica.
Porto Alegre, 31 de outubro de 2006.
Rubens Museka Júnior