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Remoção de veículo – medida administrativa indepedente da pena de apreensão

I. Generalidades.

A aplicabilidade da medida administrativa de remoção do veículo imediatamente após a constatação da infração para a qual a mesma esteja cominada, independentemente da imposição da penalidade de apreensão alimenta discussões em virtude do condicionamento da restituição do bem à prévia quitação das multas, taxas, despesas de remoção e estada além de outros encargos previstos na legislação específica, sem que ao acusado seja oportunizado o exercício do direito à ampla defesa, em especial no tocante a infração capitulada no art. 230, V, do CTB. A presente abordagem lança um olhar crítico sobre a citada controvérsia, explorando o entendimento sedimentado nos pretórios pátrios e na doutrina acerca do tema.

II. Fundamentação teórica.

2. Existe uma corrente jurisprudencial que defende a antijuridicidade do condicionamento da restituição de veículo, alvo de remoção ou apreensão, ao prévio pagamento de multas, taxas, despesas etc, por traduzir restrição excessiva sem justificativa constitucional ao conteúdo do direito fundamental de propriedade, na medida em que se escora em valor constitucionalmente não consagrado, com escopo meramente fiscal (garantir a arrecadação de tributos), afastando-se do objetivo prioritário de proteção à vida e à incolumidade física da pessoa, em detrimento do que determina o parágrafo primeiro do art. 269 do CTB .

3. A utilização da medida administrativa de remoção do veículo imediatamente após a constatação da prática da infração do art. 230, V, CTB, também tem sido alvo de severas críticas por igualmente representar uma restrição/limitação ao direito de propriedade com o único propósito de compelir o proprietário do veículo a licenciá-lo o que, na prática, significa apenas recolher as multas, tributos e encargos para que o veículo seja considerado licenciado, já que a comprovação de aprovação do mesmo nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído, previstas nos arts. 104 e 132, parágrafo 3º, CTB, e que garantiriam o mínimo de segurança no tocante a apuração das reais condições do veículo para trafegar, até o presente momento não são exigidas para tanto. Acresça-se a isso o argumento de que a remoção do veículo isoladamente aplicada implica em fazer com que o proprietário seja privado de seu veículo sem o devido processo legal, em manifesto desapego ao que preceitua o inciso LIV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB.

4. Todavia, até o presente momento não se tem conhecimento de um pronunciamento conclusivo do Judiciário acerca do assunto e o fato é que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece a remoção como medida administrativa independente da penalidade de apreensão. É desnecessário um exercício muito aguçado de hermenêutica para chegar a essa conclusão, visto que, para diversas infrações, o CTB estabelece somente a remoção, sem cominar a pena de apreensão, como se verifica nas infrações dos artigos 179, I, 180 e 181, I a XIX, todos do CTB.

5. Para visualizar o papel desempenhado pela remoção de veículo, enquanto medida administrativa, dentro do contexto normativo de trânsito é preciso situá-la adequadamente como exteriorização do exercício do poder de polícia, compreendendo a razão e o fundamento de sua existência. Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. A razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamento e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo. Partindo desse pressuposto, quando o agente da autoridade de trânsito determina a remoção de veículo flagrado sendo conduzido sem estar devidamente licenciado, longe de estar agindo arbitrariamente, está se desincumbindo do dever de fiscalizar o cumprimento da obrigação contida no art. 130, CTB, segundo o qual para transitar na via, o veículo deve ser licenciado anualmente.

6. Seguindo essa linha de raciocínio, a adoção da referida medida administrativa se consubstancia em uma intervenção necessária para assegurar o respeito aos ditames legais. Destarte, o que os mandamentos constitucionais asseguram é o uso normal dos direitos individuais, como o de propriedade, sem jamais autorizar o abuso, nem permitir o exercício anti-social desses direitos. Nessa perspectiva, admitir que o agente da autoridade de trânsito, após constatar a inobservância do comando erigido no art. 130 do CTB, permita que o condutor volte a transitar livremente com o veículo não licenciado, além de contrariar a lei, significa motejar aqueles que se esforçam para cumprir os ditames legais, coroando a impunidade e a insubordinação à lei.

7. Tratando-se, a remoção, de uma medida própria do exercício do poder de polícia administrativa, possui o atributo da auto-executoriedade que se justifica na necessidade de conter uma atividade anti-social. Um ato ilegal, ainda que possa parecer inofensivo, não deve ser tolerado por gerar expectativa de impunidade e insegurança jurídica. Quando se trata de infração instantânea surpreendida na sua flagrância, é perfeitamente aceitável a aplicação sumária da medida administrativa, mesmo antes de se oportunizar defesa ao acusado, desde que se confeccione o respectivo auto de infração .

8. Por essa senda, no tocante ao direito de propriedade, que supostamente se encontraria ofendido pela medida administrativa em voga, cumpre destacar que, como direito, criação humana por excelência, é a ordem jurídica que estabelece seus contornos, sendo possível eventuais condicionamentos ao seu exercício, como ocorre largamente nas limitações administrativas, não existindo um direito absoluto à propriedade, mas relativizado em face de razões de política legislativa, como sabiamente já defendeu o Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon no voto divergente proferido nos autos da Questão de Ordem em Agravo de Instrumento n. 2003.04.01.038921-1, que tramitou perante a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

9. Por esse viés, a afirmação de que a remoção somente poderia ser efetivada após a aplicação da apreensão é improcedente. Nesse sentido, assaz pertinente a lição de RIZZARDO:
A medida administrativa aparece, em certas ocasiões, juntamente com a penalidade de apreensão do veículo, como quando transita com dimensões em desacordo com a autorização especial dada pelo órgão competente (art. 231, VI). No entanto, nada tem a ver a remoção (e inclusive a retenção) com a apreensão, sendo esta uma penalidade, aplicável unicamente após lavrado o auto de infração, pela autoridade de trânsito. A remoção, como medida administrativa, efetua-se de imediato, ou no momento da autuação. Em suma, a apreensão não subsume a remoção. Efetiva-se a primeira com o afastamento do veículo do local em que é surpreendido, porque não pode permanecer na via. Unicamente depois de solucionado o problema é que retornará o bem ao condutor ou proprietário.

10. Reza o artigo 262 do CTB que “o veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora”. O recolhimento do veículo nesse caso não precisa ocorrer, necessariamente, por intermédio de remoção (leia-se guinchamento), podendo, hipoteticamente, ser concretizado voluntariamente pelo proprietário, depois de cientificado da decisão final que determinou a apreensão, pois o comando legal em voga atribui ao proprietário tal ônus. É lógico que, caso assim não proceda, a Autoridade de Trânsito poderá promover a remoção do veículo, às expensas do proprietário, para garantir o cumprimento da sanção. Nesse sentido, caso já tivesse ocorrido a remoção do veículo quando flagrado transitando sem estar devidamente licenciado, e liberação após os trâmites legais atinentes, obviamente haveria nova remoção. Porém advirta-se que tal incidência não configura bis in idem, posto que a primeira remoção teria como fato gerador a necessidade de impedir que o veículo prosseguisse em situação irregular e a segunda a necessidade de dar concretude à pena imposta.

11. Contrapondo-se à remoção do veículo dissociada da apreensão, opositores da linha de raciocínio esboçada neste breve estudo indagam o motivo pelo qual o mesmo procedimento não é adotado quanto ao recolhimento do documento de habilitação para as infrações sujeitas à suspensão do direito de dirigir. Quanto à aplicação imediata do recolhimento do documento de habilitação antes da aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir ou cassação do referido documento, a auto-aplicabilidade dessa medida administrativa esbarra na proibição emanada do art. 1º da Lei n. 5.553/68, considerando que o CTB atribui a CNH qualidade de documento de identidade e obrigatoriedade de porte. “Se a lei dá à Carteira Nacional de Habilitação a qualidade de documento de identidade, e sendo obrigatório o seu porte, não há como admitir a retenção pela autoridade de trânsito, exceto em evidente inautencidade e adulteração”. Sob esta ótica, mesmo tratando-se de uma medida administrativa legalmente prevista, o recolhimento da CNH possui características peculiares, devendo sua aplicação ser realizada em harmonia com os demais ditames legais que regem a matéria, ou seja, excetuando-se os casos de inautenticidade e adulteração, somente após a aplicação da suspensão do direito de dirigir ou cassação do documento de habilitação é que se legitima o recolhimento desse documento.

III. Considerações finais.

12. Em resumo, pode-se dizer que:

a) a remoção de veículo, enquanto medida executada no exercício regular do poder de polícia administrativa e amparada na auto-executoriedade que lhe é característica, efetua-se de imediato nos casos previstos no CTB;

b) o agente da autoridade de trânsito que presenciar o veículo sendo conduzido sem estar devidamente licenciado poderá determinar a imediata remoção do mesmo, com fundamento no artigo 230, V, CTB, c/c art. 130 do mesmo diploma legal, não podendo permitir que prossiga em situação irregular, pois os direitos dos usuários das vias públicas devem comportar as condições impostas pelo ordenamento jurídico vigente sendo, a medida administrativa em comento, mecanismo legalmente outorgado à Administração para dar efetividade à lei e fazê-la obedecida, independentemente da penalidade que, após o escorreito procedimento legal, poderá ser imposta;

c) a apreensão do veículo implica em recolhimento do mesmo ao depósito para o cumprimento da pena aplicada, não sendo elidida pela medida administrativa de remoção eventualmente adotada no momento em que a infração foi flagrada;

d) não se pode comparar a relação existente entre a remoção e a apreensão do veículo com aquela havida entre o recolhimento do documento de habilitação e a suspensão do direito de dirigir ou cassação do referido documento, pois, por equivaler ao documento de identidade e ser de porte obrigatório (art. 159, CTB) o documento de habilitação não pode ser retido antes da imposição da sanção que venha a afetar o direito de dirigir de seu titular, exceto quando houver dúvida quanto a sua autenticidade ou adulteração.

Porto Alegre, 20 de julho de 2006.

Rubens Museka Júnior (*)

(*) O autor é bacharel em direito; pós-graduado em direito processual e especialista em gestão de trânsito e meio ambiente.

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