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Multas de trânsito em veículos oficiais – limitações legais ao licenciamento

   Trata-se de solicitação da Presidência deste Colegiado quanto à análise de aspectos relacionados à situação de veículos oficiais aos quais estão vinculadas multas de trânsito pendentes de pagamento.
   A matéria tem sido discutida por vários setores da Administração Pública, pela imprensa, bem como despertado interesse da sociedade, inclusive propiciado a participação de órgãos do Ministério Público para recomendar providências destinadas a evitar veículos oficiais parados por dificuldades administrativas para realizar o licenciamento, em conseqüência de multas de trânsito a eles vinculadas e pendentes de pagamento.
   Segundo o art. 131, § 2o, do Código de Trânsito, “o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas”.
   A discussão envolve diversas situações e precisa ser cuidadosa para permitir a inquestionável e necessária prevalência do interesse público.
   Note-se que não parece razoável deparar-se com situações nas quais ambulâncias e viaturas policiais encontram-se retiradas de circulação porque não foram saldados débitos de multas. Entendo que a razoabilidade indica não ser aceitável deixar uma ou mais vidas serem perdidas ou colocadas em risco exclusivamente com fundamento em formalidades administrativas.
   Não se diga haver aqui a pretensão de destinar aos veículos oficiais uma espécie de salvo conduto ao arrepio da legislação, conferindo-lhes tratamento privilegiado e ilegal. Definitivamente esse não é e não pode ser o encaminhamento do assunto.
   Ao que consta, mostra-se necessário propiciar à sociedade catarinense instrumentos legítimos para permitir que, de forma eficiente, a administração pública possa manter a regularidade de sua frota sem privar o cidadão de serviços que dependem dos veículos oficiais.
   Parece-me certo que alguns automóveis de propriedade o Poder Público são de primordial importância, inclusive para a preservação da vida, patrimônio de valor supremo. É o caso das ambulâncias e, em muitas situações, das viaturas policiais.
   Embora tenha tido a oportunidade de encontrar entendimentos segundo os quais esses veículos precisam observar o limite máximo de velocidade, mesmo nas situações emergenciais, por dever de consciência preciso divergir, sem prejuízo ao profundo respeito que mantenho pelas opiniões em contrário.
  Particularmente, acredito que nas situações de emergência é inquestionável ser de interesse da sociedade manter veículos equipados e motoristas treinados para realizar o percurso com a maior rapidez possível, dentro das melhores condições de segurança que se possa ter.
   Penso ser esse o objetivo da sociedade por acreditar que cada um de seus membros deseja beneficiar-se dessa rapidez, se eventualmente vier a precisar do serviço para atender um familiar ou a si próprio. Dessa forma, entendo que os princípios da razoabilidade e da supremacia do interesse público colocam-se em favor da possibilidade de as ambulâncias e as viaturas policiais eventualmente excederem a velocidade para preservar valores maiores, como por exemplo, a vida ou a segurança humana.
   Nessa linha, permito-me destacar que freqüentemente as atuações destinadas a esses veículos oficiais ocorrem por equipamento eletrônico, pois as máquinas não dispõem de condições para avaliar a razoabilidade do ato de autuação. Por outro lado, os agentes da autoridade de trânsito podem apreciar qual é a providência mais razoável ao caso concreto e deixar de registrar o fato, motivo pelo qual não é comum autuações dessa natureza emitidas por servidores públicos, a quem cabe respeitar o princípio da razoabilidade, inserido na administração pública.
   Note-se que o art. 29, VII, “d”, do Código de Trânsito estabelece que os veículos de emergência, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação quanto em serviço de urgência devidamente identificado. Observe-se o teor da norma:

   Art. 29. (…)
   (…)
   VII – os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:
   (…)
   d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;

   Com isso, deverá ser observada a prioridade de passagem na via e no cruzamento, o que precisa ocorrer com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas de trânsito.
   Assim, a redução da velocidade enaltecida pelo dispositivo refere-se exatamente às situações em que está envolvida a prioridade de passagem na via e no cruzamento.
   Com isso, entende-se que o Código não vedou a prioridade no trânsito, nem a livre circulação no atendimento de urgências e também limitou a velocidade ao estabelecido na sinalização, mas apenas ressaltou ser indispensável que os veículos reduzam a velocidade por ocasião da prioridade de passagens nas vias e em cruzamentos, para propiciar a desejada segurança.
   Portanto, entendo que o teor do art. 29, VII, “d”, do Código de Trânsito não está limitando a velocidade dos veículos de emergência em detrimento do interesse público de atender à ocorrência com a brevidade necessária.
   Além disso, a expressão “observadas as demais normas” do Código, constante do final do dispositivo, de acordo com o contexto no qual ela está inserida, não cria a obrigatoriedade de deixar de se deslocar com agilidade, na forma do interesse público e da razoabilidade.
   Penso que a expressão “observadas as demais normas deste Código” não consiste em comando normativo para exigir a rigorosa observância da velocidade estabelecida pela sinalização, em detrimento de interesses públicos relevantes. Se esse fosse o encaminhamento do Código, o mesmo dispositivo legal não estaria estabelecendo expressamente a necessidade de reduzir a velocidade, pois essa providência já estaria contida na exigência de observância da velocidade fixada pela placa.
   Sobre o assunto, permitam-me nova leitura do dispositivo legal: “a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código”. Ora, repita-se, se o comando normativo inicialmente exige a velocidade reduzida e os cuidados com a segurança, é porque a observância da velocidade regulamentada para o local não está inserida na expressão “demais normas”. Se assim fosse, haveria notória contradição no dispositivo, que inicialmente exige a redução da velocidade e posteriormente o cumprimento da velocidade estabelecida para a via.
   Neste momento não seria prudente discorrer longamente sobre exemplos hipotéticos, pois as inúmeras situações implicariam em cansativa manifestação. Por isso, faço apenas essas breves referências aos serviços de emergência das ambulâncias e das viaturas de polícia, para exemplificar casos nos quais penso não ser cabível a manutenção da penalidade.
   No entanto, o problema que se apresenta é muito mais amplo, pois atinge a restrição de circulação de veículos por falta de licenciamento decorrente de multas pendentes de pagamento.
   Sem prejuízo dos trâmites e dos procedimentos legais cabíveis, penso ser caso de fortalecer a eficiência e a agilidade da administração para eventualmente impedir a manutenção dessas penalidades, se essa for a situação, ou para exigir do condutor o pagamento da multa decorrente da infração, se ele for devido.
   Para isso, entendo ser necessário submeter os casos concretos à análise da Junta Administrativa de Recursos de Infrações – JARI e possivelmente ao Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN, bem como inicialmente à autoridade de trânsito, quanto à análise dos aspectos formais do auto de infração durante a defesa da autuação, se for o caso.
   Em linhas gerais, acredito que o reconhecimento de não incidência da norma punitiva deve ser realizada pelo órgão administrativo competente, analisando o caso concreto, no âmbito de processo em que se comprove a ocorrência de situação de emergência ou de outra circunstância que impeça a manutenção da sanção. Também entendo ser prerrogativa de esses órgãos reconhecer a hipótese de imposição da penalidade, o que acarreta o dever do pagamento da multa por parte do condutor do veículo oficial e deve ser assim providenciado nos termos do Código de Trânsito.
   Convém destacar que se houver a interposição de recurso possibilita-se o efeito suspensivo constante do art. 285, § 3o, da Lei no 9.503/97, e viabiliza o tranqüilo trâmite administrativo sem prejuízo ao licenciamento do veículo oficial. No entanto, para isso, parecem ser necessárias algumas providências para propiciar mecanismos capazes de conferir à administração pública agilidade na interposição dos recursos ou no pronto pagamento da multa pelo suposto infrator, bem como definir eventuais condições para impor ao servidor relapso quanto a essas providências a responsabilização por sua morosidade ou omissão, se estas forem em tese capazes de gerar dificuldades no posterior licenciamento do veículo oficial e acarretar evidente prejuízo ao interesse público.
   Dessa forma, faço aqui essas considerações para registrar as diretrizes de meu pensamento, em relação ao qual abstenho-me de descrever os detalhes, pois o objetivo é abrir a discussão deste Conselho quanto à matéria e convidar ao estudo e reflexão sobre o tema. Com isso, os senhores Conselheiros poderão apresentar suas propostas, críticas ou discordâncias, pois esses subsídios democráticos, com os quais este Colegiado costuma trabalhar, permitirão solidificar a proposta de encaminhamento do assunto para evitar o lamentável prejuízo social decorrente de dificuldades para o licenciamento de veículo oficiais.

Florianópolis, 20 de novembro de 2006.

Rafael de Mello
Conselheiro

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