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Sempre que você transferir a propriedade de seu veículo, deverá enviar ao órgão de trânsito cópia autenticada do comprovante dessa transferência de propriedade. Se não adotar esse cuidado, poderá ser responsabilizado pelas penalidades decorrentes das infrações de trânsito cometidas pelo “comprador” ou por terceiros com o veículo vendido.
Na falta da comunicação da venda, o endereço que permanecerá registrado no órgão de trânsito é o do “antigo proprietário” e, nessas condições, não espere que sejam prontamente atribuídas ao “comprador” as eventuais infrações.
A norma estabeleceu a responsabilidade solidária e certamente o “antigo proprietário” poderá arcar com as eventuais punições administrativas, sujeitando-o, inclusive, à perda da carteira nacional de habilitação.
Para evitar problemas dessa natureza e cumprir a legislação de trânsito, o procedimento adequado e seguro é enviar ao órgão público o documento de transferência devidamente preenchido, assinado e autenticado, conforme determina o art. 134 do Código de Trânsito, cuja redação é a seguinte:
Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
A inobservância dessa regra tem gerado inúmeros transtornos aos “antigos proprietários”.
Não crie problemas! Ao vender o veículo, dirija-se a um cartório para a assinatura do comprovante de transferência, solicite uma cópia autenticada e, em seguida, entregue-a no órgão de trânsito devidamente protocolizada.
Florianópolis, 22 de setembro de 2006.
Rafael de Mello
Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN/SC
I. Generalidades.
Assunto recorrente no que tange a aplicação da Resolução nº 08, de 16 de novembro de 2004, do Conselho Estadual de Trânsito do Estado de Santa Catarina - que regula o processo administrativo para julgamento de autuações e penalidades impostas por infrações de trânsito no âmbito do Estado de Santa Catarina e dá outras providências -, é a operacionalidade da revisão. A presente abordagem tem por escopo enfocar determinados aspectos controvertidos inerentes ao instituto em apreço, em especial sua definição, objeto e a competência para o respectivo processamento.
II. Definição.
Embora na seara administrativa não exista a coisa julgada, no sentido processual da sentença definitiva oponível erga omnes (coisa julgada formal e material), reconhece-se a impossibilidade de impugnar e modificar, pela Administração, o ato administrativo quando exauridos os recursos próprios e as oportunidades internas de auto-correção da atividade administrativa, pois “o julgamento do recurso administrativo torna vinculante para a administração seu pronunciamento decisório e atribui definitividade ao ato apreciado em última instância” . Contudo, situações excepcionais podem induzir o julgador em erro, comprometendo a eficácia e a própria justiça do ato decisório, razão pela qual o ordenamento jurídico vigente cuidou de disponibilizar à Administração um mecanismo destinado a corrigir eventuais distorções por ventura ocorridas em processos administrativos de que resultem sanções, denominado revisão, a que alude a Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 65, e, no caso específico objeto desta análise, o Capítulo VI da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004.
Com efeito, não obstante, em tese, a decisão contra a qual não caiba mais recurso deva ser respeitada como depositária da verdade (res judicata pro veritate habetur), no processo administrativo em especial, a coisa julgada deve ceder ante os imperativos da Justiça substancial e, em virtude dos princípios que lhe são próprios, à verdade formal há que se impor a verdade real. Destarte, pode-se afirmar que o instituto da revisão é um remédio que o regramento vigente confere ao apenado, contra a “coisa julgada administrativa”, com o fim de reparar injustiças ou erros de julgamento, livrando-o de decisão injusta.
III. Objeto
Ao apreciar o objeto da revisão, deve atentar para o fato de que, em respeito à segurança jurídica e a estabilidade das relações entre Administração e administrado, a revisão é uma exceção e, como tal, somente se torna cabível nas hipóteses expressamente previstas. Sob este aspecto, convém invocar a lição de MAXIMILIANO:
O artigo do Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico - exceptiones sunt strictssimoe interpretationis (interpretam-se as exceções estritissimamente) - no art. 6º da antiga introdução, assim concebido: “a lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos só abrange os casos que especifica”.
Partindo desse pressuposto, no caso em exame a possibilidade de se lançar mão da revisão está adstrita às hipóteses previstas no art. 24 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004, ou seja, quando se verificar: a) o reconhecimento, por parte da autoridade de trânsito responsável pela imposição da penalidade, de erro ou circunstâncias capazes de justificar a inocência do acusado ou nulidade da pena; b) falsidade de documentos em que se tenha fundamentado a decisão que se pretende rever; c) superveniência de documentos, com eficácia sobre a prova produzida; e, d) desconsideração pelo julgador de documentos constantes dos autos, com eficácia sobre a prova produzida.
IV. Competência para promover a revisão.
O nó górdio da questão trazida a lume é a definição da autoridade competente para apreciar o pedido de revisão, ou, de ofício, levá-la a efeito quando presentes os pressupostos legais para tanto. Duas vertentes distintas dão nuanças diversas ao tema. A primeira defende que a revisão somente poderia ser praticada pelo Conselho Estadual de Trânsito, por ser o órgão cuja decisão encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, consoante estatui o caput do art. 290, e o regulamento em comento prevê a possibilidade de revisão apenas da “decisão definitiva” proferida em “processo transitado em julgado”.
O segundo matiz entende que o poder/dever de rever o ato nas hipóteses previstas incumbe à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso, conforme estabelece o art. 27 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004. Este signatário filia-se a esta última corrente, pelos seguintes motivos: a revisão, tal como definida no estatuto em voga, embora tenha caráter de recurso, com ele não se equipara na medida em que pressupõe processo já encerrado, com a imposição da sanção, bem como o surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes que possam indicar a inadequação daquela sanção. Não se confunde, portanto, com a revisão hierárquica, própria dos recursos, que se consubstancia na apreciação dos atos de inferiores hierárquicos em todos os seus aspectos (competência, objeto, oportunidade, conveniência, justiça, finalidade e forma), para mantê-los ou invalidá-los, de ofício ou mediante provocação do interessado, já que esta, a revisão hierárquica, somente é possível enquanto o ato não se tornou definitivo para a Administração , ao passo que a revisão tratada na Resolução em questão versa sobre decisão definitiva, transitada em julgado.
Outro aspecto que merece relevância é a conotação de reconsideração que o texto normativo em apreço conferiu ao instituto. Diz o artigo 27 da citada resolução que “o pedido de revisão será sempre dirigido à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso”. Ou seja, a revisão, nos moldes assentados na normativa de regência, assemelha-se ao pedido de reconsideração, eis que dirigido à autoridade que praticou o ato ou que o sustentou em fase recursal.
V. Considerações finais.
Desta forma, o instituto em estudo provoca o controle da legalidade do ato pela própria autoridade que o praticou ou que por último o tenha confirmado em grau de recurso, possibilitando que reveja a própria decisão outrora proferida sob o prisma das circunstâncias enumeradas nos incisos do art. 24 da Resolução/CETRAN/SC nº 008/2004. Tal revisão administrativa, no âmbito da própria autoridade ou colegiado recursal, configura reafirmação da titularidade da prerrogativa de invalidar seus próprios atos, consagrada na Súmula 473 do STF. É a própria autoridade cuja decisão tornou-se definitiva – seja por não ter havido recurso às instâncias superiores, seja por se tratar de decisão que não caiba mais recurso-, que deve decidir sobre a possibilidade de rever o ato acoimado. É de se observar, neste aspecto, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, art. 5º, LIII), valendo dizer que, no caso, o Código de trânsito Brasileiro, confere a JARI e ao CETRAN, respectivamente, nos seus artigos 17 e 14, quanto à análise das decisões proferidas pela autoridade ad quo, competência para reformá-la em grau de recurso, sem falar em revisão, o que somente se torna possível com base na auto-tutela inerente à Administração, razão pela qual o instituto deve ser encarado como reconsideração e não revisão hierárquica.
Porto Alegre, 31 de outubro de 2006.
Rubens Museka Júnior
Trata-se de solicitação da Presidência deste Colegiado quanto à análise de aspectos relacionados à situação de veículos oficiais aos quais estão vinculadas multas de trânsito pendentes de pagamento.
A matéria tem sido discutida por vários setores da Administração Pública, pela imprensa, bem como despertado interesse da sociedade, inclusive propiciado a participação de órgãos do Ministério Público para recomendar providências destinadas a evitar veículos oficiais parados por dificuldades administrativas para realizar o licenciamento, em conseqüência de multas de trânsito a eles vinculadas e pendentes de pagamento.
Segundo o art. 131, § 2o, do Código de Trânsito, “o veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas”.
A discussão envolve diversas situações e precisa ser cuidadosa para permitir a inquestionável e necessária prevalência do interesse público.
Note-se que não parece razoável deparar-se com situações nas quais ambulâncias e viaturas policiais encontram-se retiradas de circulação porque não foram saldados débitos de multas. Entendo que a razoabilidade indica não ser aceitável deixar uma ou mais vidas serem perdidas ou colocadas em risco exclusivamente com fundamento em formalidades administrativas.
Não se diga haver aqui a pretensão de destinar aos veículos oficiais uma espécie de salvo conduto ao arrepio da legislação, conferindo-lhes tratamento privilegiado e ilegal. Definitivamente esse não é e não pode ser o encaminhamento do assunto.
Ao que consta, mostra-se necessário propiciar à sociedade catarinense instrumentos legítimos para permitir que, de forma eficiente, a administração pública possa manter a regularidade de sua frota sem privar o cidadão de serviços que dependem dos veículos oficiais.
Parece-me certo que alguns automóveis de propriedade o Poder Público são de primordial importância, inclusive para a preservação da vida, patrimônio de valor supremo. É o caso das ambulâncias e, em muitas situações, das viaturas policiais.
Embora tenha tido a oportunidade de encontrar entendimentos segundo os quais esses veículos precisam observar o limite máximo de velocidade, mesmo nas situações emergenciais, por dever de consciência preciso divergir, sem prejuízo ao profundo respeito que mantenho pelas opiniões em contrário.
Particularmente, acredito que nas situações de emergência é inquestionável ser de interesse da sociedade manter veículos equipados e motoristas treinados para realizar o percurso com a maior rapidez possível, dentro das melhores condições de segurança que se possa ter.
Penso ser esse o objetivo da sociedade por acreditar que cada um de seus membros deseja beneficiar-se dessa rapidez, se eventualmente vier a precisar do serviço para atender um familiar ou a si próprio. Dessa forma, entendo que os princípios da razoabilidade e da supremacia do interesse público colocam-se em favor da possibilidade de as ambulâncias e as viaturas policiais eventualmente excederem a velocidade para preservar valores maiores, como por exemplo, a vida ou a segurança humana.
Nessa linha, permito-me destacar que freqüentemente as atuações destinadas a esses veículos oficiais ocorrem por equipamento eletrônico, pois as máquinas não dispõem de condições para avaliar a razoabilidade do ato de autuação. Por outro lado, os agentes da autoridade de trânsito podem apreciar qual é a providência mais razoável ao caso concreto e deixar de registrar o fato, motivo pelo qual não é comum autuações dessa natureza emitidas por servidores públicos, a quem cabe respeitar o princípio da razoabilidade, inserido na administração pública.
Note-se que o art. 29, VII, “d”, do Código de Trânsito estabelece que os veículos de emergência, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação quanto em serviço de urgência devidamente identificado. Observe-se o teor da norma:
Art. 29. (...)
(...)
VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:
(...)
d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;
Com isso, deverá ser observada a prioridade de passagem na via e no cruzamento, o que precisa ocorrer com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas de trânsito.
Assim, a redução da velocidade enaltecida pelo dispositivo refere-se exatamente às situações em que está envolvida a prioridade de passagem na via e no cruzamento.
Com isso, entende-se que o Código não vedou a prioridade no trânsito, nem a livre circulação no atendimento de urgências e também limitou a velocidade ao estabelecido na sinalização, mas apenas ressaltou ser indispensável que os veículos reduzam a velocidade por ocasião da prioridade de passagens nas vias e em cruzamentos, para propiciar a desejada segurança.
Portanto, entendo que o teor do art. 29, VII, “d”, do Código de Trânsito não está limitando a velocidade dos veículos de emergência em detrimento do interesse público de atender à ocorrência com a brevidade necessária.
Além disso, a expressão “observadas as demais normas” do Código, constante do final do dispositivo, de acordo com o contexto no qual ela está inserida, não cria a obrigatoriedade de deixar de se deslocar com agilidade, na forma do interesse público e da razoabilidade.
Penso que a expressão “observadas as demais normas deste Código” não consiste em comando normativo para exigir a rigorosa observância da velocidade estabelecida pela sinalização, em detrimento de interesses públicos relevantes. Se esse fosse o encaminhamento do Código, o mesmo dispositivo legal não estaria estabelecendo expressamente a necessidade de reduzir a velocidade, pois essa providência já estaria contida na exigência de observância da velocidade fixada pela placa.
Sobre o assunto, permitam-me nova leitura do dispositivo legal: “a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código”. Ora, repita-se, se o comando normativo inicialmente exige a velocidade reduzida e os cuidados com a segurança, é porque a observância da velocidade regulamentada para o local não está inserida na expressão “demais normas”. Se assim fosse, haveria notória contradição no dispositivo, que inicialmente exige a redução da velocidade e posteriormente o cumprimento da velocidade estabelecida para a via.
Neste momento não seria prudente discorrer longamente sobre exemplos hipotéticos, pois as inúmeras situações implicariam em cansativa manifestação. Por isso, faço apenas essas breves referências aos serviços de emergência das ambulâncias e das viaturas de polícia, para exemplificar casos nos quais penso não ser cabível a manutenção da penalidade.
No entanto, o problema que se apresenta é muito mais amplo, pois atinge a restrição de circulação de veículos por falta de licenciamento decorrente de multas pendentes de pagamento.
Sem prejuízo dos trâmites e dos procedimentos legais cabíveis, penso ser caso de fortalecer a eficiência e a agilidade da administração para eventualmente impedir a manutenção dessas penalidades, se essa for a situação, ou para exigir do condutor o pagamento da multa decorrente da infração, se ele for devido.
Para isso, entendo ser necessário submeter os casos concretos à análise da Junta Administrativa de Recursos de Infrações – JARI e possivelmente ao Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN, bem como inicialmente à autoridade de trânsito, quanto à análise dos aspectos formais do auto de infração durante a defesa da autuação, se for o caso.
Em linhas gerais, acredito que o reconhecimento de não incidência da norma punitiva deve ser realizada pelo órgão administrativo competente, analisando o caso concreto, no âmbito de processo em que se comprove a ocorrência de situação de emergência ou de outra circunstância que impeça a manutenção da sanção. Também entendo ser prerrogativa de esses órgãos reconhecer a hipótese de imposição da penalidade, o que acarreta o dever do pagamento da multa por parte do condutor do veículo oficial e deve ser assim providenciado nos termos do Código de Trânsito.
Convém destacar que se houver a interposição de recurso possibilita-se o efeito suspensivo constante do art. 285, § 3o, da Lei no 9.503/97, e viabiliza o tranqüilo trâmite administrativo sem prejuízo ao licenciamento do veículo oficial. No entanto, para isso, parecem ser necessárias algumas providências para propiciar mecanismos capazes de conferir à administração pública agilidade na interposição dos recursos ou no pronto pagamento da multa pelo suposto infrator, bem como definir eventuais condições para impor ao servidor relapso quanto a essas providências a responsabilização por sua morosidade ou omissão, se estas forem em tese capazes de gerar dificuldades no posterior licenciamento do veículo oficial e acarretar evidente prejuízo ao interesse público.
Dessa forma, faço aqui essas considerações para registrar as diretrizes de meu pensamento, em relação ao qual abstenho-me de descrever os detalhes, pois o objetivo é abrir a discussão deste Conselho quanto à matéria e convidar ao estudo e reflexão sobre o tema. Com isso, os senhores Conselheiros poderão apresentar suas propostas, críticas ou discordâncias, pois esses subsídios democráticos, com os quais este Colegiado costuma trabalhar, permitirão solidificar a proposta de encaminhamento do assunto para evitar o lamentável prejuízo social decorrente de dificuldades para o licenciamento de veículo oficiais.
Florianópolis, 20 de novembro de 2006.
Rafael de Mello
Conselheiro
I. Generalidades.
A aplicabilidade da medida administrativa de remoção do veículo imediatamente após a constatação da infração para a qual a mesma esteja cominada, independentemente da imposição da penalidade de apreensão alimenta discussões em virtude do condicionamento da restituição do bem à prévia quitação das multas, taxas, despesas de remoção e estada além de outros encargos previstos na legislação específica, sem que ao acusado seja oportunizado o exercício do direito à ampla defesa, em especial no tocante a infração capitulada no art. 230, V, do CTB. A presente abordagem lança um olhar crítico sobre a citada controvérsia, explorando o entendimento sedimentado nos pretórios pátrios e na doutrina acerca do tema.
II. Fundamentação teórica.
2. Existe uma corrente jurisprudencial que defende a antijuridicidade do condicionamento da restituição de veículo, alvo de remoção ou apreensão, ao prévio pagamento de multas, taxas, despesas etc, por traduzir restrição excessiva sem justificativa constitucional ao conteúdo do direito fundamental de propriedade, na medida em que se escora em valor constitucionalmente não consagrado, com escopo meramente fiscal (garantir a arrecadação de tributos), afastando-se do objetivo prioritário de proteção à vida e à incolumidade física da pessoa, em detrimento do que determina o parágrafo primeiro do art. 269 do CTB .
3. A utilização da medida administrativa de remoção do veículo imediatamente após a constatação da prática da infração do art. 230, V, CTB, também tem sido alvo de severas críticas por igualmente representar uma restrição/limitação ao direito de propriedade com o único propósito de compelir o proprietário do veículo a licenciá-lo o que, na prática, significa apenas recolher as multas, tributos e encargos para que o veículo seja considerado licenciado, já que a comprovação de aprovação do mesmo nas inspeções de segurança veicular e de controle de emissões de gases poluentes e de ruído, previstas nos arts. 104 e 132, parágrafo 3º, CTB, e que garantiriam o mínimo de segurança no tocante a apuração das reais condições do veículo para trafegar, até o presente momento não são exigidas para tanto. Acresça-se a isso o argumento de que a remoção do veículo isoladamente aplicada implica em fazer com que o proprietário seja privado de seu veículo sem o devido processo legal, em manifesto desapego ao que preceitua o inciso LIV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB.
4. Todavia, até o presente momento não se tem conhecimento de um pronunciamento conclusivo do Judiciário acerca do assunto e o fato é que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece a remoção como medida administrativa independente da penalidade de apreensão. É desnecessário um exercício muito aguçado de hermenêutica para chegar a essa conclusão, visto que, para diversas infrações, o CTB estabelece somente a remoção, sem cominar a pena de apreensão, como se verifica nas infrações dos artigos 179, I, 180 e 181, I a XIX, todos do CTB.
5. Para visualizar o papel desempenhado pela remoção de veículo, enquanto medida administrativa, dentro do contexto normativo de trânsito é preciso situá-la adequadamente como exteriorização do exercício do poder de polícia, compreendendo a razão e o fundamento de sua existência. Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. A razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamento e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo. Partindo desse pressuposto, quando o agente da autoridade de trânsito determina a remoção de veículo flagrado sendo conduzido sem estar devidamente licenciado, longe de estar agindo arbitrariamente, está se desincumbindo do dever de fiscalizar o cumprimento da obrigação contida no art. 130, CTB, segundo o qual para transitar na via, o veículo deve ser licenciado anualmente.
6. Seguindo essa linha de raciocínio, a adoção da referida medida administrativa se consubstancia em uma intervenção necessária para assegurar o respeito aos ditames legais. Destarte, o que os mandamentos constitucionais asseguram é o uso normal dos direitos individuais, como o de propriedade, sem jamais autorizar o abuso, nem permitir o exercício anti-social desses direitos. Nessa perspectiva, admitir que o agente da autoridade de trânsito, após constatar a inobservância do comando erigido no art. 130 do CTB, permita que o condutor volte a transitar livremente com o veículo não licenciado, além de contrariar a lei, significa motejar aqueles que se esforçam para cumprir os ditames legais, coroando a impunidade e a insubordinação à lei.
7. Tratando-se, a remoção, de uma medida própria do exercício do poder de polícia administrativa, possui o atributo da auto-executoriedade que se justifica na necessidade de conter uma atividade anti-social. Um ato ilegal, ainda que possa parecer inofensivo, não deve ser tolerado por gerar expectativa de impunidade e insegurança jurídica. Quando se trata de infração instantânea surpreendida na sua flagrância, é perfeitamente aceitável a aplicação sumária da medida administrativa, mesmo antes de se oportunizar defesa ao acusado, desde que se confeccione o respectivo auto de infração .
8. Por essa senda, no tocante ao direito de propriedade, que supostamente se encontraria ofendido pela medida administrativa em voga, cumpre destacar que, como direito, criação humana por excelência, é a ordem jurídica que estabelece seus contornos, sendo possível eventuais condicionamentos ao seu exercício, como ocorre largamente nas limitações administrativas, não existindo um direito absoluto à propriedade, mas relativizado em face de razões de política legislativa, como sabiamente já defendeu o Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon no voto divergente proferido nos autos da Questão de Ordem em Agravo de Instrumento n. 2003.04.01.038921-1, que tramitou perante a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.
9. Por esse viés, a afirmação de que a remoção somente poderia ser efetivada após a aplicação da apreensão é improcedente. Nesse sentido, assaz pertinente a lição de RIZZARDO:
A medida administrativa aparece, em certas ocasiões, juntamente com a penalidade de apreensão do veículo, como quando transita com dimensões em desacordo com a autorização especial dada pelo órgão competente (art. 231, VI). No entanto, nada tem a ver a remoção (e inclusive a retenção) com a apreensão, sendo esta uma penalidade, aplicável unicamente após lavrado o auto de infração, pela autoridade de trânsito. A remoção, como medida administrativa, efetua-se de imediato, ou no momento da autuação. Em suma, a apreensão não subsume a remoção. Efetiva-se a primeira com o afastamento do veículo do local em que é surpreendido, porque não pode permanecer na via. Unicamente depois de solucionado o problema é que retornará o bem ao condutor ou proprietário.
10. Reza o artigo 262 do CTB que “o veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora”. O recolhimento do veículo nesse caso não precisa ocorrer, necessariamente, por intermédio de remoção (leia-se guinchamento), podendo, hipoteticamente, ser concretizado voluntariamente pelo proprietário, depois de cientificado da decisão final que determinou a apreensão, pois o comando legal em voga atribui ao proprietário tal ônus. É lógico que, caso assim não proceda, a Autoridade de Trânsito poderá promover a remoção do veículo, às expensas do proprietário, para garantir o cumprimento da sanção. Nesse sentido, caso já tivesse ocorrido a remoção do veículo quando flagrado transitando sem estar devidamente licenciado, e liberação após os trâmites legais atinentes, obviamente haveria nova remoção. Porém advirta-se que tal incidência não configura bis in idem, posto que a primeira remoção teria como fato gerador a necessidade de impedir que o veículo prosseguisse em situação irregular e a segunda a necessidade de dar concretude à pena imposta.
11. Contrapondo-se à remoção do veículo dissociada da apreensão, opositores da linha de raciocínio esboçada neste breve estudo indagam o motivo pelo qual o mesmo procedimento não é adotado quanto ao recolhimento do documento de habilitação para as infrações sujeitas à suspensão do direito de dirigir. Quanto à aplicação imediata do recolhimento do documento de habilitação antes da aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir ou cassação do referido documento, a auto-aplicabilidade dessa medida administrativa esbarra na proibição emanada do art. 1º da Lei n. 5.553/68, considerando que o CTB atribui a CNH qualidade de documento de identidade e obrigatoriedade de porte. “Se a lei dá à Carteira Nacional de Habilitação a qualidade de documento de identidade, e sendo obrigatório o seu porte, não há como admitir a retenção pela autoridade de trânsito, exceto em evidente inautencidade e adulteração”. Sob esta ótica, mesmo tratando-se de uma medida administrativa legalmente prevista, o recolhimento da CNH possui características peculiares, devendo sua aplicação ser realizada em harmonia com os demais ditames legais que regem a matéria, ou seja, excetuando-se os casos de inautenticidade e adulteração, somente após a aplicação da suspensão do direito de dirigir ou cassação do documento de habilitação é que se legitima o recolhimento desse documento.
III. Considerações finais.
12. Em resumo, pode-se dizer que:
a) a remoção de veículo, enquanto medida executada no exercício regular do poder de polícia administrativa e amparada na auto-executoriedade que lhe é característica, efetua-se de imediato nos casos previstos no CTB;
b) o agente da autoridade de trânsito que presenciar o veículo sendo conduzido sem estar devidamente licenciado poderá determinar a imediata remoção do mesmo, com fundamento no artigo 230, V, CTB, c/c art. 130 do mesmo diploma legal, não podendo permitir que prossiga em situação irregular, pois os direitos dos usuários das vias públicas devem comportar as condições impostas pelo ordenamento jurídico vigente sendo, a medida administrativa em comento, mecanismo legalmente outorgado à Administração para dar efetividade à lei e fazê-la obedecida, independentemente da penalidade que, após o escorreito procedimento legal, poderá ser imposta;
c) a apreensão do veículo implica em recolhimento do mesmo ao depósito para o cumprimento da pena aplicada, não sendo elidida pela medida administrativa de remoção eventualmente adotada no momento em que a infração foi flagrada;
d) não se pode comparar a relação existente entre a remoção e a apreensão do veículo com aquela havida entre o recolhimento do documento de habilitação e a suspensão do direito de dirigir ou cassação do referido documento, pois, por equivaler ao documento de identidade e ser de porte obrigatório (art. 159, CTB) o documento de habilitação não pode ser retido antes da imposição da sanção que venha a afetar o direito de dirigir de seu titular, exceto quando houver dúvida quanto a sua autenticidade ou adulteração.
Porto Alegre, 20 de julho de 2006.
Rubens Museka Júnior (*)
(*) O autor é bacharel em direito; pós-graduado em direito processual e especialista em gestão de trânsito e meio ambiente.